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terça-feira, 1 de outubro de 2013

A MENINA E O PAILITO



Outro dia fui almoçar num restaurante desses por quilo. Um lugar relativamente pequeno, decorado de forma moderna e bem frequentado.
Sentei de costas para a entrada. De frente para todas as outras mesas. Estava perto da porta de saída.
Pude ver da minha mesa uma adolescente com seu pai. Supus que era seu pai. Na verdade era um homem que tinha por volta de uns quarenta anos, com uma roupa boa e bem limpa. Seu cabelo era bem cortado e bem penteado. Sua camiseta era daquele tipo Polo, com listas grossas, verde e azul escuro. Calça Jeans e um calçado daqueles abotinados para uso em campo ou caminhada montanhosa. Dos que estão muito em uso e moderno.
Mas o que interessa é o que vi. Não, nada de sério, grave ou terrível! Nenhum abuso, nada vulgar, nem imoral.
A menina era linda. Uns quinze anos no máximo. Mas uns quinze anos infantil. Nada daquele tipo sedutora e pronta a namorar... Não, uma menina linda, esguia, com calça jeans sequinha, camiseta branca, sem maquiagem, nada!
Ela se parecia com uma dessas meninas que estão na mídia. Magra, com uma boca bem carnuda, sorridente, um nariz bem feito e bem colocado num rosto delicado e emoldurado por um cabelo castanho, abaixo um pouco do ombro e jogado meio displicente sem lado definido.
Ela, conversando animadamente com esse suposto pai.
Tudo transcorria muito bem, e eu não deixei de prestar atenção àqueles dois. Fui fazer meu prato, me servi e voltei a minha mesa. 
Quando sem querer, olhei de novo naquela direção, como disse eu estava praticamente de frente para eles. Estava em uma posição que enxergava a menina de frente e a lateral do homem.
O que realmente me chamou a atenção foi que aquela mocinha comia de uma forma tão rude, como há muito tempo não via nem os rapazes mais simples e sem traquejo social, comerem daquele jeito.
Ela segurava a faca com uma mão e o garfo com a outra. Até aí nada de mais... É comum ver isso.
Mas ela jogava o arroz para dentro da boca e abocanhando ela engolia. Uma garfada atrás da outra, sem a menor pausa.
Era como se ela tivesse virado ali um cachorrinho muito lindo, mas que não deixa de ser um animal. 
Fiquei presa àquela cena até que me dei conta que estava de novo olhando e voltei a minha refeição.
Passou um tempo e fui traída de novo por meu olhar.
Olhei e vi aquele pai palitando o dente de uma forma que a mão dele inteira entrava pela boca e ele quase virava do avesso, o estranho é que ele quase não se mexia. A boca dele tinha tomado vida própria e se mexia e se revirava como nada nunca visto por essa que lhes conta este fato. Era como uma cena do filmo MIB. Extraterrestres se apossam de uma forma humana e fazem coisas inacreditáveis.
De repente ele se mexeu na cadeira, ufa! A boca deixou de ser única e ganhou corpo de novo. E eu recobrei os sentidos.
Eles continuavam conversando, rindo, tranquilos. Como se todas aquelas atitudes, as quais achei estranhas, fossem totalmente normais.
Sorri comigo mesma e para eles, mesmo sem saber se eles estavam me vendo. 
Eles tinham uma cumplicidade invejável. Uma alegria ingênua. Uma beleza quase desleixada.
Me levantei para ir embora e estava no caixa quando eles se aproximaram.
Ela vinha conversando bem animada e feliz. Com um palito de dente entre os dentes, segurando e falando ao mesmo tempo. Fazendo o possível para agir com naturalidade. Bem se via que ela ainda não dominava aquela arte de falar com o palito entre os dentes, mas ela fazia o possível para acertar.
Tão linda! Podia estar em qualquer editorial de moda e faria muito sucesso, mas estava ali, feliz, treinando para falar com um palito entre os dentes! 
Me derrubou e me deixou absorta com meus pensamentos...
A menina que só queria palitar os dentes como o pai e com o pai.






Marisa.

Assis, 1º de outubro de 2013.